Nesta edição, reunimos decisões marcantes da Justiça do Trabalho que evidenciam a necessidade de ambientes laborais seguros, inclusivos e em conformidade com a lei. Entre os casos, destacam-se condenações por assédio sexual envolvendo imposição de vestimenta e condutas abusivas no ambiente de trabalho, a reafirmação do dever das empresas em manter um local saudável e livre de discriminação, e o entendimento do TST sobre a impossibilidade de controle de jornada apenas pelo uso de dispositivos eletrônicos. Também abordamos decisões que autorizam a penhora de pensão por morte para quitação de dívidas trabalhistas e a aplicação de multa milionária pelo descumprimento reiterado da cota legal para contratação de pessoas com deficiência. As decisões reforçam a importância de políticas internas claras, prevenção de riscos e respeito incondicional aos direitos fundamentais dos trabalhadores. Confira os destaques a seguir!

Cantadas e uso obrigatório de calça legging em serviço geram indenização a frentista
Pela prática de assédio sexual, abuso do exercício do poder diretivo e coação, sentença proferida na 2ª Vara do Trabalho de Santos-SP condenou posto de combustível a indenizar frentista obrigada a trabalhar usando calça legging e a ter de lidar com cantadas e ofensas proferidas por clientes e pelo empregador.
Para o juízo, houve grave constrangimento, atingindo a honra e a privacidade da profissional, pois a vestimenta foi determinada com o intuito de ressaltar atributos físicos e explorar a sensualidade da mulher junto ao público masculino. A condenação envolveu danos extrapatrimoniais, de ordem moral e existencial.
Em depoimento, a testemunha convidada pela reclamante contou que o empregador só contratava “mulheres bonitas” e que não era permitido usar outro traje que não o exigido pela empresa. Segundo ela, havia ameaça de multa e ordem para que “voltassem para suas casas” caso optassem por outras roupas.
A depoente afirmou, ainda, que as frentistas eram vítimas de cantadas e de olhares grosseiros e intimidatórios por parte de caminhoneiros, e que o próprio contratante praticava assédio sexual contra elas. Relatou também ter recebido do chefe vídeo de cunho pornográfico. De outro lado, o depoimento da testemunha patronal foi desconsiderado pelo juízo, por ausência de credibilidade e isenção.
A sentença, proferida pelo juiz Gustavo Deitos, levou em consideração o Protocolo do Conselho Nacional de Justiça para Julgamento sob Perspectiva de Gênero, a Constituição Federal, o Código Civil e convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. O magistrado pontuou que “o assédio sexual representa sério obstáculo ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 5 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas: igualdade de gênero e empoderamento feminino”.
A condenação quanto ao dano extrapatrimonial foi fixada em R$ 23.240,00, conforme pedido da reclamante, “embora este magistrado, em seu convencimento, tivesse aptidão para condenar em valor superior”, diz trecho da decisão.
O juiz determinou ainda envio de ofício ao Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e à Delegacia de Polícia Civil de Santos para que tomem as medidas que entenderem cabíveis no caso.
Fonte: TRT2

4ª Câmara condena empresa com foco em Protocolo de Gênero a indenizar trabalhadora vítima de assédio sexual
O vínculo com a empregadora não se estendeu por mais de cinco meses, e nesse período, pelo menos por dois meses seguidos, ela enfrentou o assédio sexual provocado pelo encarregado do setor onde atuava como açougueira.
Segundo constou dos autos, nos momentos em que estava sozinha no setor, ele a convidava insistentemente para realizar atos libidinosos e pedia favores sexuais. Algumas vezes chegou a se expor nu, e até fotos íntimas encaminhou à subordinada pelo WhatsApp, seguidas de ligações e mensagens. Em razão da recusa e da resistência da trabalhadora, o agressor passou a tratá-la com rigor excessivo, ofensas verbais e ameaças de dispensa. No início de abril de 2024, ela foi dispensada sem justa causa.
O Juízo da Vara do Trabalho de Porto Ferreira, que julgou o caso, indeferiu o pedido de danos morais por entender que, no contexto apresentado, ainda que o encarregado, em conversas por aplicativo de celular, tenha desrespeitado a subordinada com frases de cunho sexual e ofensivas, esses elementos probatórios apresentados demonstram que “tudo ocorreu fora do horário e do local de trabalho e com a utilização de aparelhos móveis particulares”, não tendo a trabalhadora provado que o assédio tenha se dado “no local de trabalho ou em decorrência de eventual posição hierárquica do agressor”.
O recurso da trabalhadora, julgado pela 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, teve como relator o desembargador Dagoberto Nishina Azevedo, que entendeu diferente. O acórdão destacou, de início, que a decisão teve como lastro o Protocolo de Julgamento sobre Perspectiva de Gênero. O relator salientou que, com base no depoimento da testemunha indicada pela empresa, ficou confirmado que “o suposto assediador era o supervisor de fato da autora”, já que eles “não possuem encarregado de açougue e sim um açougueiro mais velho que é o encarregado de fazer pedidos inclusive de clientes”, e ele tinha sim autorização para dar ordens de serviço para a trabalhadora.
O colegiado afirmou também que “a prova da importunação sexual restou comprovada na mensagem trocada entre a autora e o assediador” e suas queixas foram comprovadas por documentos trazidos por ela, como uma mensagem de áudio “de tom desairoso e reprovável, enviada pelo superior, que resultou em perseguição com a prática de assédio moral, com xingamentos e ameaça de dispensa”.
A empresa teve ciência do assédio, conforme admitido nos depoimentos do seu preposto e da testemunha arrolada pela empresa, ocasião em que se buscou uma tentativa de acordo com a trabalhadora para solucionar a controvérsia. Mas o fato relevante é que o assediador não foi punido e continua no mesmo cargo, consoante relato da testemunha da reclamada.
O acórdão reconheceu, assim, a responsabilidade da empresa, especialmente pelo dever de manter um ambiente saudável, e de orientar e treinar os empregados, “objetivo que não pode ser alcançado se a Justiça for complacente, e impedir punições em detrimento de suas vítimas”, afirmou.
Por isso, e com base na “compensação pela dor, pelo sofrimento suportado”, ao mesmo tempo em que, para o causador do dano, “a condenação pecuniária deve representar perda patrimonial significativa, de modo a enfeixar papel pedagógico, educativo e dissuasório da prática do ilícito (caráter punitivo)”, condenou a empresa no valor indenizatório de R$ 10 mil, “montante condizente com o balizamento previsto no Artigo 223-G, §1º, da CLT, atendendo aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, abarcando intento pedagógico da punição para adoção de medidas preventivas”.
Processo 0010581-48.2024.5.15.0048
Fonte: TRT15

Vendedora de remédios não comprova controle de jornada por tablet
Por maioria, a Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o recurso de uma vendedora externa da Hypera Pharma, de São Paulo (SP) que pretendia receber horas extras com o argumento de que sua jornada poderia ser controlada pelo tablet fornecido pela empresa. Para o colegiado, o equipamento não é suficiente para essa finalidade.
O artigo 62 da CLT estabelece que quem exerce atividade externa incompatível com a fixação de horário não está sujeito ao regime de controle de jornada, ou seja, não tem direito a horas extras.
Na função de propagandista-vendedora, a empregada disse que visitava consultórios, clínicas e hospitais para divulgar os produtos da empresa, seguindo uma agenda previamente aprovada pela gerência. Segundo ela, sua jornada diária era, em média, das 13h às 22h30, com intervalo de no máximo 30 minutos.
Para demonstrar suas alegações, ela disse que a empresa fornecia um IPad com sistema informatizado em que deveria registrar e enviar ao empregador todas as visitas realizadas. A seu ver, isso possibilitaria o controle telemático da duração de seu trabalho.
Em sua defesa, a Hypera afirmou que não interferia nem fiscalizava o roteiro de trabalho da vendedora. Sustentou também que não tinha acesso remoto ao tablet e, portanto, não podia verificar a localização exata da empregada.
A 26ª Vara de São Paulo indeferiu o pedido de horas extras da vendedora, e a sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Segundo o TRT, o fato de o tablet ser equipado com software para lançar e contabilizar as visitas não garante o controle efetivo da jornada.
Para o relator do recurso de revista da trabalhadora, ministro Dezena da Silva, não houve prova efetiva da possibilidade de fiscalizar a jornada. Segundo ele, o tablet, embora equipado com o software de vendas, não é suficiente para esse fim, porque o número de visitas diárias, o tempo gasto em cada uma e a necessidade de anotação da visita no início e no final são pontos controversos.
Da mesma forma, o GPS do aparelho, por si só, não permite contabilizar o número e o tempo das visitas de forma a caracterizar controle, pois o roteiro da propagandista era definido por ela mesma, sem ingerência do empregador. Além disso, testemunhas relataram que a vendedora não era obrigada a comparecer à sede da empresa nem no início nem no fim do dia, e as reuniões com a equipe eram semestrais.
Processo: RR-1001476-35.2019.5.02.0026
Fonte: TST

Sócia terá pensão por morte penhorada para pagar débitos trabalhistas
A Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho autorizou a penhora de pensão por morte que uma sócia de uma empresa recebe. A penhora, para pagar débito trabalhista, deve respeitar o limite de 15% do ganho líquido mensal, garantindo que o valor restante disponível à executada não seja inferior a um salário-mínimo.
Com base na legislação, o TST tem o entendimento pela possibilidade de penhora dos rendimentos e valores percebidos por salário, pensão ou proventos de aposentadoria para satisfação de crédito trabalhista, que tem caráter alimentício, necessário para a vida. Essa jurisprudência tem fundamento nos artigos 100, parágrafo 1º, da Constituição Federal e 833, inciso IV e parágrafo 2º, do Código de Processo Civil.
Para a Quinta Turma, a penhora de até 15% sobre a pensão por morte será possível respeitando a sobra de um salário-mínimo para a sócia. No caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, com sede em São Paulo (SP), assinalou que os extratos do INSS revelam que a sócia recebe pensão por morte no valor de R$ 2.821,36, a qual, após as deduções decorrentes de empréstimos consignados, perfaz o montante líquido de R$ 1.726. Para a Quinta Turma, esses valores permitem a penhora.
O TRT tinha indeferido a penhora por entender que ela comprometeria diretamente a subsistência da beneficiária, uma vez que não há evidências de que possua outras fontes de renda a lhe proporcionar melhores condições de vida.
Contudo, de acordo com a Quinta Turma do TST, o Regional, ao indeferir o pedido de penhora sobre a pensão por morte recebida pela executada, deixando de enquadrá-la na exceção do artigo 833, parágrafo 2º, da CPC, acabou por afrontar diretamente o próprio conceito de “débitos de natureza alimentícia”, expressamente fixado no artigo 100, parágrafo, da Constituição Federal. Nos termos desses artigos, as pensões são impenhoráveis, salvo para o pagamento de créditos de natureza alimentícia, como as verbas trabalhistas.
A decisão da Quinta Turma foi por unanimidade, com base no voto da relatora, ministra Morgana de Almeida Richa.
Processo: RR-225100-84.2000.5.02.0262
Fonte: TST

Sentença condena empresa por descumprimento reiterado de cotas para pessoas com deficiência
Sentença da 69ª Vara do Trabalho de São Paulo-SP condenou empresa de serviços terceirizados ao pagamento R$ 500 mil em indenização por danos morais coletivos pelo descumprimento reiterado da cota legal de contratação de pessoas reabilitadas ou com deficiência (PcD). A empresa, que deveria ter 28 funcionários nessas condições, mantinha apenas 4 no momento da ação.
Para instruir a ação civil pública, o Ministério Público do Trabalho juntou, entre outros, documentos do Ministério do Trabalho e Emprego que evidenciam que a empresa sempre ignorou a cota e provas de que a reclamada foi notificada no inquérito civil instaurado pelo órgão, sem apresentação de resposta, o que demonstraria o desinteresse em colaborar com a apuração e solucionar a questão extrajudicialmente.
Em defesa, a reclamada tentou justificar a não observância das cotas pela existência de “dificuldades logísticas”. Alegou também que cumpre as obrigações legais mediante a divulgação de vagas para pessoas com deficiência por meio da fixação de cartazes de emprego.
No entanto, o juiz Márcio Aparecido da Cruz Germano da Silva afirmou que a comunicação patronal tratava-se de anúncio genérico, indicando um endereço de e-mail para candidatos, sem comprovação de que foi efetivamente divulgado. “Tais elementos probatórios, frágeis e isolados, não se sobrepõem à robusta prova documental apresentada pelo autor, baseada em anos de dados oficiais, que atesta o descumprimento crônico da obrigação legal”.
Além da indenização por dano moral coletivo, a decisão estabeleceu prazo de 120 dias para a organização preencher o percentual previsto em lei, sem exclusão de quaisquer cargos ou funções, sob pena de multa no valor de R$ 10 mil por empregado PcD ou reabilitado faltante para o cumprimento, renovável a cada mês. O magistrado também determinou que a ré se abstenha de dispensar qualquer pessoa beneficiada pela reserva de vagas sem a prévia contratação de substituto em condição semelhante, também sob pena de multa de R$ 10 mil, renovada mensalmente.
Processo nº 1000847-19.2025.5.02.0069
Fonte: TRT2
Fique Atento!
Os julgados desta edição evidenciam a necessidade de ambientes de trabalho pautados pelo respeito, pela inclusão e pela conformidade legal. Casos de assédio sexual, imposição de vestimenta e descumprimento de cotas para PcD resultaram em condenações expressivas, reforçando a responsabilidade das empresas na prevenção de práticas ilícitas. As decisões também mostram que a inexistência de controle de jornada efetivo e a possibilidade de penhora de pensões para quitação de dívidas trabalhistas permanecem pontos de atenção para empregadores. Nesse contexto, a atuação preventiva e estratégica da assessoria jurídica é essencial para garantir conformidade normativa, promover boas práticas e proteger direitos fundamentais nas relações laborais.
