Nesta edição, reunimos julgados que reafirmam a importância do combate à discriminação, da prevenção ao assédio e da responsabilidade das empresas na observância de seus deveres legais. As decisões tratam de temas sensíveis e atuais, como a dispensa discriminatória de trabalhadora em tratamento contra o câncer de mama, a condenação de empresas por assédio sexual, a obrigação de pagamento em dobro por trabalho em dias de eleição e a indenização a empregado incluído na “malha fina” por erro da empregadora. As decisões demonstram o papel essencial da Justiça do Trabalho na proteção da dignidade humana, da igualdade e da boa-fé nas relações laborais.

Trabalhadora será indenizada em R$ 30 mil por dispensa discriminatória após diagnóstico de câncer de mama
A Justiça do Trabalho reconheceu que a dispensa de uma trabalhadora diagnosticada com câncer de mama foi discriminatória. A profissional, que havia recebido prêmio por excelente desempenho, foi dispensada em pleno tratamento. A decisão dos julgadores da Quarta Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), sob relatoria da juíza convocada Solange Barbosa de Castro Amaral, destacou a gravidade da conduta da empresa e determinou a reintegração imediata da trabalhadora, além de indenização por danos morais, no valor de R$ 30 mil.
A profissional havia sido contratada em outubro de 2021 como coordenadora de contas da empresa. Dois anos depois, em junho de 2023, recebeu o diagnóstico de câncer de mama em estágio avançado, iniciando um longo tratamento que incluiu quimioterapia, cirurgia em janeiro de 2024 e imunoterapia até setembro do mesmo ano. Apesar dos efeitos colaterais, como perda de memória e dificuldade de contração muscular, manteve bom desempenho no trabalho, chegando a ser premiada como “funcionária destaque” em 2023.
Pouco depois de uma nova cirurgia de reconstrução mamária, em dezembro de 2024, a empresa decidiu dispensá-la sem justa causa. Dois dias após a dispensa, um relatório médico confirmou que a profissional permanecia em tratamento, com suspeita de complicações nos pulmões e sem previsão de alta. Ao contestar a dispensa, a trabalhadora alegou que foi vítima de discriminação, pediu para ser reintegrada ao cargo, ter o plano de saúde restabelecido e receber indenização pelos danos sofridos.
A empresa tentou justificar a dispensa alegando “baixa performance”. No entanto, não apresentou provas consistentes que demonstrassem queda de rendimento. A avaliação negativa apresentada era pontual e não condizia com o histórico de bom desempenho da profissional. Documentos médicos comprovaram que a empregadora tinha conhecimento do diagnóstico e do tratamento em andamento no momento da dispensa.
Ao analisar o caso em seu voto condutor, a juíza Solange Barbosa de Castro Amaral destacou que, segundo a Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), presume-se discriminatória a dispensa de trabalhadores com doenças graves que geram estigma ou preconceito. Assim, caberia à empresa provar que a dispensa ocorreu por outro motivo — o que não aconteceu. “A exclusão do plano de saúde durante tratamento oncológico e a ruptura contratual discriminatória atingem a dignidade e os direitos da personalidade da autora, configurando dano moral indenizável”, pontuou.
Para a magistrada, a justificativa da empresa era frágil e contraditória, já que a trabalhadora havia recebido reconhecimento profissional no ano anterior.
“Nos termos alegados e demonstrados nos autos, uma única avaliação negativa por parte de um único cliente é um episódio sobremodo frágil e insuficiente para se concluir pelos alegados ‘resultados insatisfatórios’ do ano de 2024, mormente quando a reclamante ganhou, justamente, um prêmio por sua performance no ano de 2023, o que descredibiliza as alegações da reclamada”, ponderou.
A juíza também ressaltou que o tratamento contra o câncer naturalmente reduz a produtividade, mas que isso não poderia ser usado como motivo para a dispensa. Conforme enfatizou a magistrada, a empresa desconsiderou o quadro de fragilidade vivido pela trabalhadora e aplicou parâmetros de avaliação iguais aos de empregados em plena saúde. Na visão dela, essa postura foi injustificada, discriminatória e, além disso, afronta o princípio da igualdade.
“Ainda que assim não se entendesse, revela-se plenamente razoável admitir que a pessoa acometida por moléstia grave – como é o caso do câncer de mama – não consiga manter o mesmo nível de produtividade anteriormente apresentado durante o período de tratamento. Tal circunstância, à luz do princípio da função social da empresa, consagrado nos arts. 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III, da CR, impõe à empregadora o dever de compreender e absorver, com a devida responsabilidade social, os efeitos decorrentes dessa redução de desempenho”, completou.
No entender da relatora, ficou evidente a dispensa discriminatória da empregada portadora de câncer de mama, já que a empresa não conseguiu demonstrar a existência de outro motivo razoável capaz de justificar essa atitude, nos termos da Súmula 443 do TST. Ela acrescentou que, ainda que a empregada tivesse mesmo apresentado uma queda de desempenho, esse fato estaria justificado, devido às dificuldades provocadas pela doença.
“É sabido que qualquer empregada acometida por enfermidade grave, como o câncer – cujo tratamento impõe inevitáveis afastamentos para cirurgias, consultas, exames, sessões de quimioterapia/radioterapia e períodos de convalescença – apresentará, naturalmente, diminuição em sua capacidade laborativa, o que reforça o risco de discriminação no ambiente laboral”, pontuou.
Com base nessa análise, os julgadores acolheram parcialmente os pedidos da trabalhadora e modificaram a sentença. A Quarta Turma concluiu que a dispensa ocorreu de forma discriminatória e determinou a reintegração imediata da profissional ao cargo, o restabelecimento do plano de assistência médica e/ou seguro saúde em favor da trabalhadora nas mesmas condições anteriores à dispensa, o pagamento de todos os salários e benefícios do período de afastamento e indenização de R$ 30 mil por danos morais. Também fixou multa diária de R$ 500, limitada a R$ 50 mil, caso a empresa não cumpra a determinação no prazo de 10 dias a partir da publicação da decisão.
Ao finalizar, a magistrada reforçou que trabalhadoras em tratamento de doenças que despertam preconceito, como o câncer de mama, merecem especial proteção contra práticas discriminatórias. Para a julgadora, o respeito à dignidade humana deve prevalecer sobre critérios rígidos de produtividade, especialmente em situações de fragilidade e vulnerabilidade.
Fonte: TRT3

1ª Câmara mantém condenação de empresas por assédio sexual a empregada
A 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região manteve a condenação solidária de duas empresas do ramo de fabricação de fibras de vidro e comércio de carrocerias ao pagamento de R$ 30 mil, a título de danos morais, a uma empregada vítima de assédio sexual em serviço. O colegiado confirmou a decisão da Vara do Trabalho de Botucatu, que julgou o caso com fundamento no “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero” do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
As empresas, em sua defesa, alegaram a ausência de provas do assédio sexual e moral. Também não concordaram com o acolhimento, segundo eles, “equivocado” da contradita de uma das testemunhas, e questionaram a interpretação da prova pelo juízo de primeiro grau, especialmente quanto ao “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero”, sustentando “a necessidade de prova robusta e o devido processo legal”.
O relator do acórdão, desembargador Fábio Bueno de Aguiar, negou que o Juízo de primeiro grau tenha acolhido a contradita de forma equivocada, como afirmaram as empresas. Segundo o relator, a testemunha “contraditada” foi ouvida pelo Juízo como informante, não configurando, assim, “qualquer espécie de cerceamento de defesa”. Esse informante, segundo os autos, mantinha “amizade íntima declarada” com o empregado acusado de assédio, “inclusive confirmada pelo próprio depoente em audiência”, o que para o colegiado “detém o potencial de comprometer a indispensável isenção de seu ânimo ao depor sobre fatos que tangenciam diretamente a conduta de seu amigo íntimo”.
Já sobre a ausência de provas robustas, o acórdão destacou que “a ocorrência de assédio moral e sexual no ambiente de trabalho pode ser caracterizada pela análise do conjunto probatório, que inclua a coerência e verossimilhança da narrativa da vítima, as inconsistências e contradições da tese defensiva da empregadora, bem como sua omissão em apurar formalmente denúncias”. No caso, a decisão colegiada afirmou que o entendimento do Juízo de origem “não se pautou na ausência de prova, mas sim em uma análise crítica e integrada do conjunto probatório, confrontando a versão da reclamante com as fragilidades e inconsistências da defesa empresarial”.
Sobre a aplicação do Protocolo de Gênero, o acórdão ressaltou sua necessidade diante das “omissões e contradições por parte do agressor ou empregador” e das “inconsistências nos depoimentos prestados pelos prepostos da empresa e o alegado desconhecimento de fatos relevantes pela própria companhia, conforme evidenciado durante a instrução processual”. Nesse sentido, esses fatos “foram devidamente ponderados pela sentença como indicadores da omissão patronal e, concomitantemente, da validade da narrativa da vítima”, afirmou o acórdão.
O colegiado concluiu, assim, que o Protocolo “orienta o julgador a conferir especial relevo à palavra da vítima, não como prova isolada e soberana, mas como elemento de alta pertinência, mormente quando exibe coerência e verossimilhança, ainda mais quando corroborada por outros indícios e circunstâncias fáticas”, e a sentença proferida, assim, “encontra respaldo precisamente nessa premissa ao considerar a coerência e verossimilhança do depoimento da reclamante, destacando o caráter detalhado e a carga emocional nele contida como fatores a serem ponderados”.
Processo 0011699-65.2023.5.15.0025
Fonte: TRT15

Rede de supermercados pagará em dobro por trabalho em dia de eleição
A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho confirmou que os empregados da rede de supermercados G. Barbosa, de Fortaleza (CE), têm direito a receber em dobro pelos dias de eleições nacionais em 2022. Esses dias são feriados nacionais e, como não houve compensação, é devido o pagamento dobrado.
A ação civil pública foi ajuizada em 2023 pelo Sindicato dos Empregados no Comércio Varejista de Gêneros Alimentícios de Fortaleza contra a Cencosud Brasil Comercial Ltda., responsável pela rede. Segundo o sindicato, a empresa deixou de pagar como feriado os dias de eleição de primeiro e segundo turno de 2022 (2 e 30/10), que, de acordo com o Código Eleitoral, são considerados feriados nacionais.
Em sua defesa, a empresa alegou que, em outubro de 2022, tinha apenas seis lojas da rede em atividade em Fortaleza e que não pagou as horas em dobro por não considerar feriados os dias destinados às eleições.
O juízo de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos do sindicato, por entender que as leis que previam os dias de eleições como feriados teriam sido revogadas com a Lei 10.607/2002. Ainda de acordo com a sentença, a Constituição Federal não prevê uma data específica para as eleições, mas apenas que elas sejam realizadas no primeiro e no último domingo de outubro. Outro fundamento foi o fato de a Resolução 23.555 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantir o funcionamento do comércio nas eleições de 2018.
O Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), porém, reformou a sentença, ressaltando que o dispositivo do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965) que prevê o feriado foi incorporado pela Constituição, apesar de as datas do primeiro e do segundo turno serem variáveis.
Diante disso, concluiu que o supermercado descumpriu a convenção coletiva que prevê o pagamento em dobro dos feriados e condenou a empresa a pagar os valores correspondentes.
Segundo o relator do recurso de revista da Cencosud, ministro José Roberto Pimenta, é irrelevante que as eleições nacionais não sejam realizadas em dias fixos e específicos. Ele lembrou que, de acordo com o Código Eleitoral, “o dia em que se realizarem eleições de data fixada pela Constituição Federal” é feriado.
Processo: RR-112-19.2023.5.07.0009
Fonte: TST

Trabalhador que caiu na “malha fina” por erro da empregadora será indenizado
A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), de Porto Alegre (RS), a pagar R$ 5,5 mil de indenização a um técnico científico/administrador que teve seu nome incluído na “malha fina” da Receita Federal por erro da fundação. Para o colegiado, a negligência da empregadora gerou estresse ao empregado.
Na ação trabalhista, o empregado disse que foi notificado em dezembro de 2009, compareceu à Secretaria da Receita Federal e apresentou sua defesa administrativa. Nesse momento, verificou que a fundação havia informado valores salariais bem superiores aos que efetivamente havia recebido.
Segundo ele, a entidade também demorou a corrigir as informações prestadas para solucionar o erro. O empregado informou ainda que os valores retidos na fonte a maior não foram restituídos.
O pedido de indenização foi deferido pela 19ª Vara do Trabalho de Porto Alegre, mas a sentença foi cassada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Segundo o órgão, a situação representou apenas um “mero dissabor” no decorrer da relação de trabalho, que não autorizava o deferimento da indenização pretendida.
A decisão foi mantida pela Sexta Turma do TST, que rejeitou seu recurso. Ele então levou o caso à SDI-1.
Prevaleceu, no julgamento dos embargos, o voto do ministro José Roberto Pimenta no sentido de que houve dano moral. Ele observou que os valores foram informados incorretamente e que, na data do ajuizamento da ação, o empregado ainda não tinha recebido a restituição.
A avaliação é de que o erro de informação gerou estresse ao trabalhador, que teve de prestar esclarecimentos à Receita Federal por uma irregularidade fiscal a que não deu causa. Ou seja, o constrangimento foi causado pelo empregador.
Para o ministro, tanto a falta quanto o atraso ou a incorreção da Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (DIRF) são situações que demonstram que o empregador descumpriu suas obrigações legais de informar corretamente à Receita Federal os ganhos do empregado para fins de ajuste fiscal. Dessa forma, a fundação foi negligente ao informar dados errados.
Ficou vencida a corrente aberta pelo relator, ministro Breno Medeiros, para quem não há nenhuma comprovação nos autos de que o equívoco da empresa tenha ocasionado danos ao empregado além de sua inclusão na malha fina. Medeiros observou que, todos os anos, milhares de pessoas têm suas declarações retidas na malha fiscal, muitas vezes por equívocos corriqueiros em seu preenchimento, e que é comum a apresentação de retificadoras. “É um equívoco que pode acontecer com todo mundo”, sustentou. Seguiram o relator os ministros Augusto César e Evandro Valadão e a ministra Dora Maria da Costa.
Processo: E-ARR-1221-42.2011.5.04.0019
Fonte: TST
Fique Atento!
Os julgados desta edição evidenciam a necessidade de uma cultura organizacional pautada no respeito, na equidade e na conformidade com as normas trabalhistas.
A dispensa discriminatória de trabalhadores em tratamento médico, o assédio sexual e os erros administrativos que causam prejuízos aos empregados representam condutas gravemente reprováveis, com consequências jurídicas e reputacionais significativas.
Além disso, reforça-se a importância da observância das normas legais sobre feriados e remuneração, como no caso do trabalho em dias de eleição.
Diante disso, a atuação preventiva e orientada de departamentos jurídicos e de recursos humanos é essencial para garantir ambientes de trabalho éticos, inclusivos e juridicamente seguros.
