Assédio Moral, Discriminação no Trabalho e Justa Causa por Conduta em Redes Sociais | Edição #25

Nesta edição, destacamos decisões relevantes da Justiça do Trabalho que reforçam a importância da dignidade, da inclusão e da responsabilidade no ambiente profissional. Entre os casos, estão a aplicação do Protocolo de Gênero em condenação por assédio moral e rescisão indireta, a responsabilização de empresas por dispensas discriminatórias envolvendo deficiência visual e racismo, e a manutenção de justa causa aplicada a motorista que divulgou vídeo no TikTok expondo conduta imprudente e a imagem da empregadora. As decisões reafirmam o compromisso da Justiça com a proteção dos trabalhadores e a necessidade de políticas empresariais alinhadas à ética e ao respeito. Confira os destaques a seguir!

Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero 2021
Fonte: CNJ

Protocolo de gênero é aplicado para reconhecimento de rescisão indireta e danos morais a trabalhadora

Sentença da 1ª Vara de Trabalho de Suzano-SP condenou loja de materiais de construção a indenizar assistente geral em R$ 30 mil em razão de assédio moral. Também converteu pedido de demissão da empregada em rescisão indireta, considerando a conduta da empregadora uma falta grave. A decisão aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva do Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

A trabalhadora alegou, no processo, maus-tratos, humilhações e ofensas por parte dos proprietários da empresa, que incluíam o uso de termos pejorativos como “biscatinha” e adjetivos como “inútil” e “preguiçosa”, além de comentários negativos sobre sua estatura e voz. Afirmou, ainda, que a organização não disponibilizava assentos adequados para os funcionários, obrigando-os a permanecer em pé durante toda a jornada. 

A empresa, ao negar as acusações, não conseguiu apresentar provas suficientes para desconstituir o conjunto probatório apresentado pela reclamante, que incluiu depoimento pessoal da autora e testemunhos que detalharam as agressões. A juíza prolatora da sentença, Juliana Ranzani, considerou a prova oral convincente, especialmente o depoimento de testemunha contraditada que, ouvida como informante, detalhou as ofensas. Em contrapartida, o depoimento da testemunha da ré foi contraditório, o que enfraqueceu a defesa da loja. 

Segundo a magistrada, o protocolo aplicado no julgamento determina que a atuação judicial deve considerar que violência e assédio são elementos de difícil comprovação, devendo haver adequação da distribuição do ônus probatório, além de consideração especial do depoimento da vítima. 

Para a julgadora, “condutas de desqualificação da trabalhadora por parte de colegas de trabalho, por meio de ‘brincadeiras’, emprego de termo ofensivo à moral da mulher por parte de superior hierárquico, além da alusão a estereótipos atribuídos à compleição física feminina, na tentativa de constranger ou rebaixar a trabalhadora, não podem ser, de forma alguma, franqueados pela empregadora, sendo inconcebíveis e intoleráveis no meio ambiente de trabalho”, afirmou. 

O comportamento, segundo a juíza, torna-se ainda mais gravoso quando praticado por um dos proprietários, em nítida situação de assédio moral vertical descendente, reforçando o entendimento pela rescisão indireta. “Em vez de proteger a dignidade humana, [o empregador] adota conduta discriminatória e odiosa, […] fomentando micro agressões que perpetuam um ambiente hostil e intimidativo sobretudo à mulher e à sua permanência naquele posto de trabalho”. 

Outro agravante foi a falta de assentos à disposição dos(as) trabalhadores(as) para serem utilizados nas pausas que o serviço permite, como previsto na Consolidação das Leis do Trabalho e pelo Ministério do Trabalho e Emprego, configurando violação às regras de saúde e segurança no trabalho. 

Além dos danos morais, a ré terá de pagar as verbas rescisórias relativas à dispensa sem justa causa e retificar a carteira de trabalho digital da profissional.

As diretrizes do CNJ aplicadas ao caso fazem parte dos Protocolos para Atuação e Julgamento com Perspectiva Antidiscriminatória, Interseccional e Inclusiva. Além do protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, há normativos referentes às abordagens inclusiva e antirracista. 

Processo nº 1000807-32.2025.5.02.0491 

Fonte: TRT2 

Pessoa dirigindo automóvel.
Fonte: Freepik

Empresa é condenada por demitir motorista com deficiência visual de forma discriminatória

A 2ª Turma do TST confirmou a condenação da Sanjuan Engenharia Ltda., de Salvador (BA), pela dispensa discriminatória de um motorista com deficiência visual. Segundo o colegiado, a empresa tinha conhecimento da condição do empregado e não apresentou nenhuma outra razão para sua demissão. 

Na reclamação trabalhista, o empregado disse que foi contratado em novembro de 2013 como motorista de caminhão. A dispensa ocorreu em março de 2017, quando ele já havia sido diagnosticado com visão subnormal em ambos os olhos, doença que o impediria de exercer a função. 

O trabalhador afirmou ainda que a empresa sabia de sua limitação e da impossibilidade de continuar a exercer a função de motorista. Contudo, em vez de buscar seu correto afastamento pelo INSS, inclusive contestando a alta médica, a Sanjuan preferiu “livrar-se” dele, demitindo-o menos de 15 dias após seu retorno, depois do fim do benefício. 

Uma pessoa é considerada com visão subnormal quando apresenta 20% ou menos da chamada visão normal. Esse problema pode vir acompanhado de uma alteração do campo visual, ou seja, a pessoa pode enxergar como se estivesse vendo por dentro de um tubo (ausência ou diminuição da visão periférica) ou com uma mancha escura na parte central da visão, quando tenta fixá-la em um objeto (ausência ou diminuição da visão central). 

O empregado disse que a doença foi diagnosticada em 2016. Em decorrência disso, foi encaminhado ao INSS em 30/08/2016, quando passou a receber o auxílio-doença previdenciário, terminado em 30/05/2017. No dia 16/05/2017, ele apresentou à empresa um atestado de incapacidade para a função de motorista. No entanto, disse que o laudo foi desconsiderado pela Sanjuan, que o despediu um mês depois. 

Por sua vez, a empresa sustentou que não houve dispensa discriminatória e que nunca teve ciência de doença incapacitante. Segundo a Sanjuan, todos os documentos comprovavam, na época do desligamento, a aptidão plena do empregado atestada pelo INSS.  

As decisões de primeiro e segundo graus reconheceram a dispensa discriminatória, uma vez que a empresa já tinha ciência de que o empregado tinha uma doença estigmatizante e não deveria ter sido demitido. De acordo com a Súmula 443 do TST, caberia à empresa comprovar que a dispensa não decorreu de razões discriminatórias. 

Para a ministra Liana Chaib, relatora do recurso de revista da Sanjuan, se a empregadora tem ciência da enfermidade e ela é grave, presume-se em favor do empregado a ocorrência de dispensa discriminatória. No caso, o TRT deixou claro que essas condições estavam presentes. Nesse contexto, para concluir de forma diversa, seria necessário reexaminar fatos e provas, procedimento vedado pela Súmula 126 do TST. 

Processo: Ag-AIRR-99-69.2018.5.05.0132 

Fonte: TST 

Fonte: TRT

9ª Câmara condena empresa a indenizar empregado negro vítima de racismo 

A 9ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em votação unânime, condenou uma grande multinacional do ramo de alimentos a pagar R$ 50 mil, a título de danos morais, a um empregado negro vítima de racismo. A decisão colegiada entendeu que o pedido do trabalhador para aumentar o valor de R$ 20 mil, fixado originalmente pelo Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto, “se revela razoável e adequado às circunstâncias do caso concreto”. 

Para o relator do acórdão, desembargador Carlos Eduardo Oliveira Dias, uma vez “comprovada a prática de atos discriminatórios de teor nitidamente racista”, ficou “configurada grave violação à dignidade da pessoa humana, aos direitos da personalidade, aos princípios constitucionais da igualdade e do respeito à pluralidade étnico-racial”. O colegiado ressaltou ainda que “a conduta, revestida de violência simbólica e estrutural, além de ser potencializada pela posição de poder econômico da empresa, requer a aplicação de medida judicial proporcional e pedagógica”. 

Segundo se comprovou nos autos, inclusive por depoimento de testemunha, o trabalhador era tratado de forma racista e humilhante, pelo seu superior, que se utilizava de termos pejorativos relacionados à cor de sua pele. As ofensas, segundo o empregado, “eram feitas em voz alta e diante de outros colegas”. Ele chegou a denunciar os fatos à supervisora e ao RH, que “teriam prometido apuração interna, mas nenhuma providência efetiva foi adotada”, e essa “omissão da reclamada perdurou por anos, embora o comportamento do agressor fosse notório”, afirmou. 

A empresa negou integralmente as alegações, e sustentou que “jamais tomou conhecimento das supostas condutas discriminatórias”, além do que, o empregado “não utilizou os canais oficiais de denúncia da empresa”, e que “não houve qualquer apuração ou registro formal de comportamento inadequado” por parte do superior ofensor. O acórdão ressaltou, porém, que “ainda que a reclamada alegue desconhecimento dos fatos, a prova testemunhal relatou que foi instaurado procedimento interno para apuração da denúncia formulada pelo reclamante”. 

Sobre os fatos, o colegiado destacou que o “racismo estrutural é um fenômeno histórico e institucionalizado, e permanece influenciando a sociedade, o que se reflete nas desigualdades constatadas em diversas esferas, inclusive no ambiente laboral”. Com relação às declarações estampadas nos autos, o acórdão afirmou que elas “revelam um comportamento absolutamente inaceitável, que ultrapassa os limites do respeito à dignidade da pessoa humana e configura prática repulsiva de discriminação racial no ambiente de trabalho”.  

As palavras utilizadas de forma pejorativa são “indiscutivelmente ofensivas e carregam um histórico de violência simbólica, discriminação e marginalização da população negra” e corroboram “com a construção da imagem do negro como sujeito marcado por uma trajetória histórica de lutas e de discriminações, sinalizando o papel subalterno que ainda lhe é atribuído na contemporaneidade”. Assim, “é inconteste a infringência de princípios constitucionais básicos, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), a igualdade e o direito à não discriminação (art. 5º, caput e X), além da proteção à integridade do trabalhador no ambiente laboral (art. 7º, XXII, da CF/88)”, concluiu. 

Sobre o valor da condenação, o colegiado considerou “inadmissível a intenção da prática de injúria racial” do superior contra o reclamante, e assim “as agressões merecem ser repudiadas e civilmente indenizadas, mormente para que se desestimule o ofensor a sua intenção em continuar”.  

Considerou também que a reclamada é uma empresa de grande porte, com capital expressivo e que, diante do  “interesse jurídico lesado e da descrição dos fatos”, entendeu “proporcional a indenização pedida pelo autor, de forma que fixo o montante equivalente a R$ 50 mil, que se revela razoável e adequado, especialmente diante da gravidade da conduta discriminatória praticada em ambiente laboral, por motivo de raça ou de cor, o que afronta não apenas a dignidade do trabalhador atingido, mas também os valores fundamentais do Estado Democrático de Direito”. 

Processo 0010342-84.2024.5.15.0067 

Fonte: TRT15 

Fonte: Freepik

Mantida justa causa de motorista que postou vídeo no TikTok sobre caminhão da empresa fazendo manobras indevidas 

A Justiça do Trabalho manteve a justa causa aplicada ao motorista que postou um vídeo no TikTok que mostrava um caminhão da empresa fazendo manobras indevidas e o caminhoneiro dirigindo sem as mãos. A decisão é dos julgadores da Quarta Turma do TRT-MG, que, em sessão de julgamento ordinária realizada no dia 26 de fevereiro de 2025, mantiveram a sentença do juízo da 6ª Vara do Trabalho de Betim, nesse aspecto. 

O autor da ação alegou que foi dispensado por justa causa após ter postado nas redes sociais o vídeo com um veículo da empregadora fazendo zigue-zague na rodovia. Insistiu no recurso com o pedido de reversão da justa causa aplicada, reafirmando que não é o autor das manobras imprudentes no trânsito que acarretaram a aplicação da penalidade máxima. Explicou que somente postou o vídeo e não era o motorista que conduzia o caminhão. 

Já as empresas reclamadas, do ramo de distribuição de combustível e cargas, afirmaram que o motorista realizou as manobras indevidas, em via pública, e ainda postou os vídeos na rede social TikTok. Os áudios juntados ao processo apontaram uma conversa entre um representante das empresas e o autor, indicando que foi ele quem realizou as manobras. 

Para a desembargadora relatora do TRT-MG, Rosemary de Oliveira Pires Afonso, a empregadora agiu de forma correta. “Há, nos autos do processo trabalhista, elementos suficientes para comprovar que ele apresentou conduta apta para a justa causa aplicada, nos moldes do artigo 482 da CLT, caracterizadora que é de mau procedimento, desídia no desempenho das funções, ato de indisciplina ou de insubordinação da CLT”

Segundo a julgadora, é incontroverso que o motorista postou vídeos na rede social TikTok, mostrando imagens do condutor do caminhão em zigue-zague na rodovia, derrapando na pista e soltando as mãos do volante. Para ela, há fortes indícios de que o trabalhador estava na direção do veículo, como se depreende dos áudios anexados na contestação, que não tiveram o conteúdo impugnado pelo motorista. 

“Na conversa, o autor manifesta aceitação sobre os questionamentos que lhe são feitos sobre a conduta perigosa adotada na direção do volante, que o teria colocado em situação de risco, além de macular a imagem da empresa com as postagens. O caminhoneiro apenas disse que não imaginava que a postagem teria maior proporção e que ia apagar, não se opondo à afirmação de que era ele quem estava na direção do veículo”

Para a magistrada, a postagem do vídeo na rede social do autor, divulgando conduta irresponsável, por si só, é caracterizadora de falta grave. “Isso macula a imagem das empresas, que atuam no ramo de transporte, são proprietárias do caminhão e empregadoras dele”

Segundo a relatora, a prova produzida nos autos confirma satisfatoriamente que a dispensa por justa causa foi motivada pela conduta inadequada do autor, seja porque realizou manobras imprudentes, em total desrespeito às regras de trânsito e colocando em risco a própria vida e a de terceiros, ou por ter divulgado imagens de transgressão das leis de trânsito, contrariando os propósitos da empresa. “Portanto, em uma ou outra situação houve descumprimento de suas obrigações contratuais”

Para a relatora, não há que se falar em gradação da pena. “O ato, por si só, é tão grave que rompe, de imediato, a fidúcia do empregador, autorizando a dispensa por justa causa”

A desembargadora ressaltou que o critério de gradação de penalidades não é absoluto e nem universal. “É possível a ocorrência de faltas que, por sua intensa e enfática gravidade, não venham ensejar qualquer viabilidade de gradação na punição a ser deferida, propiciando, assim, de imediato, a aplicação da pena máxima existente no direito do trabalho, como ocorre no caso dos autos”, destacou a julgadora, frisando que “ele recebeu a notícia da dispensa sem apresentar reação de indignação, contrariedade ou arrependimento, sendo equivocado entender que punição mais branda teria efeito pedagógico”

Segundo a magistrada, a conduta do empregado se enquadra nas hipóteses do artigo 482 da CLT (“b”, “e”, “h”), justificando a ruptura do contrato pela quebra da confiança necessária à manutenção da relação de emprego. “Por tais fundamentos, há de ser mantida a improcedência do pedido de reversão da justa causa e, por corolário, as pretensões a ele atreladas, no que se inclui o pedido de indenização por danos morais”, concluiu a julgadora. O processo foi remetido ao TST para exame do recurso de revista. 

Fonte: TRT3 

Fique Atento!

Os julgados desta edição reforçam que práticas discriminatórias e condutas abusivas no ambiente de trabalho geram consequências severas para as empresas. Casos de assédio moral, racismo e dispensa de pessoas com deficiência foram reconhecidos pela Justiça como violações graves da dignidade humana, resultando em indenizações significativas. Além disso, a manutenção da justa causa aplicada a empregado que expôs a imagem da empresa em redes sociais evidencia a seriedade da responsabilidade individual do trabalhador. Nesse cenário, a prevenção, o respeito à diversidade e o alinhamento às normas trabalhistas continuam sendo pilares fundamentais para uma gestão segura e juridicamente responsável.

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