Exposição a Risco, Descumprimento de Cota e Dados de Geolocalização | Edição #22

Nesta semana, reunimos decisões relevantes que refletem o posicionamento da Justiça do Trabalho sobre temas de grande impacto para empregadores e empregados. Em destaque, a responsabilização de empresa por exposição de trabalhador a risco de explosão devido a tanques de diesel irregulares e a rejeição da alegação de dificuldade de contratação como justificativa para o descumprimento da cota legal de PCDs. Trazemos também decisões que discutem os limites do uso de geolocalização como meio de prova de jornada, a validade de medidas atípicas para forçar o pagamento de dívidas trabalhistas e a obrigatoriedade do pagamento proporcional da PLR mesmo em casos de pedido de demissão. As decisões reforçam a importância da observância das normas de segurança, inclusão, controle adequado da jornada e respeito aos direitos patrimoniais dos trabalhadores. Confira os destaques abaixo!

Permanência em local com tanques de diesel instalados irregularmente gera adicional de periculosidade 

A 7ª Turma do TRT da 2ª Região manteve sentença que condenou loja de móveis, situada dentro de shopping center, a pagar adicional de periculosidade a atendente pela presença de tanques de óleo diesel no mesmo prédio. A decisão levou em conta que as instalações contrariavam a Norma Regulamentadora nº 20 (NR-20) do Ministério do Trabalho e Emprego. 

Em recurso, a organização alegou que os geradores e o combustível estavam fora do estabelecimento, que o empregado sequer tinha acesso às instalações e materiais perigosos e que a simples presença desses equipamentos no shopping não justificaria o adicional. 

A desembargadora-relatora Cláudia Regina Lovato Franco rejeitou os argumentos ressaltando que “ainda que o autor não entrasse nas áreas técnicas, a permanência habitual em local fechado, no mesmo edifício em que localizados tanques de óleo diesel em desacordo com a NR-20, já o expunha ao risco de explosão e incêndio”. A decisão se baseou na Orientação Jurisprudencial nº 385 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho. 

Reforçou o entendimento o laudo pericial, segundo o qual a configuração física do centro comercial tinha escadas, corredores e blocos estruturais sem separação por paredes corta-fogo. Em estruturas como essas, os tanques deveriam ser instalados de forma enterrada, conforme dispõe a mesma norma que fundamentou a decisão. 

Processo nº 1001672-39.2024.5.02.0055 

Fonte: TRT2 

5ª Câmara do TRT-15 rejeita dificuldade de contratação como justificativa para descumprimento da cota legal de PCDs 

A 5ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região deu parcial provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em uma Ação Civil Pública e majorou para R$ 200 mil o valor da indenização por dano moral coletivo imposta a uma instituição de saúde, em razão do descumprimento da cota legal de contratação de pessoas com deficiência (PCDs), prevista no artigo 93 da Lei n. 8.213/1991. 

Em primeira instância, o juiz Valdir Rinaldi da Silva, titular da 4ª Vara do Trabalho de Sorocaba, determinou ao Instituto Nacional de Ciências da Saúde (INCS), réu na ACP, a contratação de beneficiários reabilitados da Previdência Social ou pessoas com deficiência, habilitadas, para o preenchimento da cota legal, sob pena de multa. 

A sentença também impôs que a dispensa de pessoas nessas condições ocorra apenas após a contratação de outro trabalhador em situação equivalente, conforme disposto em lei. Além disso, o Instituto foi condenado ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 150 mil, contra o qual recorreu o MPT, requerendo a majoração do montante indenizatório. 

Conforme constou dos autos, o Ministério Público comprovou, por meio de consulta realizada no site do Ministério do Trabalho e Emprego, que a instituição emprega número inferior ao exigido pela legislação. A defesa alegou dificuldades na contratação de PCDs, por inexistência de profissionais qualificados para as vagas disponíveis. 

Em consonância com a sentença, o colegiado entendeu que a empresa não demonstrou ter implementado esforços concretos para o cumprimento da norma. “Não é razoável considerar que a mera publicidade da existência de vagas de empregos voltadas ao público PCD seja suficiente para caracterizar a alegada dificuldade de preenchimento da cota, sem que exista prova de um programa organizado para a contratação e permanência da pessoa com deficiência em seus quadros de trabalhadores”, destacou a relatora do acórdão, desembargadora Adriene Sidnei de Moura David. 

Para os magistrados, a violação constatada “se reveste de gravidade apta a representar uma ofensa significativa aos direitos de personalidade da coletividade envolvida”, tratando-se de uma agressão injusta e intolerável aos valores éticos da sociedade que atrai a condenação por dano moral coletivo”. Com base nesses fundamentos e considerando a persistência da violação, a gravidade da conduta e a função compensatória e pedagógica da sanção, o valor da indenização foi reajustado de R$ 150 mil para R$ 200 mil. 

Processo n. 0010561-87.2024.5.15.0135 

Fonte: TRT15 

4ª Câmara afasta validade de dados de geolocalização e reconhece jornada alegada na inicial 

A 4ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região deu provimento ao recurso de um trabalhador rural para reformar a sentença e reconhecer como válida a jornada alegada na petição inicial, desconsiderando os dados de geolocalização obtidos no processo. A decisão destacou a limitação técnica desse tipo de dado eletrônico e a importância da análise conjunta dos elementos de prova. 

O caso envolveu um empregado que alegou cumprir jornada das 6h às 16h, com 15 minutos de intervalo intrajornada, além de permanecer cerca de 30 minutos à disposição da empresa após o fim das atividades. Em primeira instância, o Juízo da Vara do Trabalho de José Bonifácio acolheu os registros de ponto da empresa e os dados de geolocalização obtidos junto às operadoras de telefonia, julgando improcedente o pedido de horas extras. 

Ao analisar o recurso do trabalhador, a 4ª Câmara entendeu que os dados de localização extraídos por meio da ferramenta “Veritas” não eram suficientes para desqualificar a prova testemunhal produzida pelo empregado. Segundo o acórdão, “a geolocalização de celulares é, em geral, bastante confiável, mas não é 100% precisa”, pois se baseia em tecnologias que “podem ser afetadas por diversos fatores, como a disponibilidade do sinal, obstáculos físicos e até mesmo erros de software”. 

O colegiado também destacou que apenas os dados de localização do reclamante e de suas testemunhas foram requeridos, sem que a mesma medida fosse tomada em relação à testemunha da empresa, o que caracteriza tratamento desigual e compromete a isonomia da instrução processual. Além disso, o acórdão apontou diversas inconsistências nos dados analisados. Em vários dias, os registros mostravam o dispositivo do trabalhador próximo ao alojamento em horários muito posteriores aos indicados nos cartões de ponto. 

Nesse contexto, o relator do acórdão, desembargador Carlos Eduardo Oliveira Dias, pontuou que “a geolocalização até pode ser usada como meio de prova, a fim de demonstrar se determinada pessoa poderia ou não estar em determinado local, em certo dia e hora, com o objetivo de indicar suposta autoria de ato praticado naquele momento”. Contudo, para o magistrado, “essa validade se esvai quando se trata de fatos recorrentes, como o horário de trabalho eventualmente praticado pelo trabalhador”.  

A decisão destacou, também, que os registros eletrônicos devem ser considerados em conjunto com os demais elementos do processo, diante da tradição do Direito do Trabalho de admitir prova testemunhal, especialmente quando o empregador é o responsável legal pela correta anotação da jornada.  

Com isso, o colegiado reconheceu a jornada alegada na petição inicial e condenou a empresa ao pagamento das horas extras correspondentes, com os devidos reflexos legais. A reclamada também foi condenada a pagar o período suprimido do intervalo intrajornada.  

Processo 0010493-18.2024.5.15.0110 

Fonte: TRT15 

Empresário tem passaporte retido por não pagar dívida 

A Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do TST negou, por unanimidade, a liberação do passaporte de um empresário com dívida trabalhista de R$ 41 mil. O credor, um vigilante, provas de que o devedor participa de torneios de golfe, consome champanhe e ostenta carros de luxo, apesar de alegar insolvência. 

O vigilante ajuizou a ação contra a Empresa Brasileira de Segurança e Vigilância Ltda. (Embrase) e a Associação dos Moradores da Rua Iucatã, em São Paulo, e a empresa foi condenada a pagar as parcelas pedidas. Desde 2018, contudo, as tentativas de encontrar bens da empresa e de seus sócios foram infrutíferas. O vigilante, então, requereu, uma medida executiva atípica: a apreensão de passaporte e carteira de habilitação do empresário. 

No pedido, ele anexou imagens e disse que, consultando o Google, constatou que o empresário há pouco tempo realizava torneios de golf no Golf Club de São Paulo com a participação de locutores conhecidos, “bebendo champanhe e ostentando Ferraris, mas curiosamente não possui ‘1 real’ em sua conta bancária passível de bloqueio”. A medida foi deferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. 

No habeas corpus, o devedor alegou que a retenção do passaporte comprometia seu direito de ir e vir, especialmente por ter uma filha menor que vive e estuda nos Estados Unidos. 

O relator, ministro Vieira de Melo Filho, reconheceu o cabimento do habeas corpus para discutir a medida, por envolver restrição à locomoção, mas manteve a apreensão. Para Vieira de Mello, a execução deve atender ao interesse do credor, inclusive por meio de medidas não previstas expressamente na lei. Essas medidas, no entanto, exigem o esgotamento dos meios ordinários de cobrança, o que foi confirmado no processo. 

Na avaliação do relator, há elementos suficientes que indicam blindagem e ocultação patrimonial, considerando o estilo de vida luxuoso do devedor. A alegação de que mantém a filha estudando no exterior apenas reforça a suspeita de que ele dispõe de recursos. 

A medida de reter o passaporte foi considerada proporcional e adequada à finalidade de compelir o pagamento da dívida trabalhista. “Não houve qualquer restrição arbitrária à liberdade de locomoção física do empresário, como prisão ou impedimento de trânsito interno”, afirmou o relator. 

Processo: HCCiv-1000603-94.2024.5.00.0000 

Fonte: TST 

Empresa terá de pagar PLR proporcional a analista de TI que pediu demissão 

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a Jeitto Instituição de Pagamento Ltda., de São Paulo (SP), a pagar de forma proporcional a participação nos lucros e resultados (PLR) a um analista de TI que pediu demissão. Para o colegiado, é inválida a cláusula de norma coletiva que exclui do pagamento proporcional da parcela os empregados que pediram demissão ou foram dispensados por justa causa antes do fim do ano-base. 

O analista de testes de TI foi contratado em junho de 2020 e pediu demissão em novembro de 2022, com desligamento em dezembro. Ao quitar as verbas rescisórias, a empresa não pagou a PLR, com base na cláusula coletiva que exigia vínculo ativo na data da distribuição dos lucros. 

Na reclamação trabalhista, o analista argumentou que o valor da parcela era calculado com base no atingimento de metas estabelecidas, e anexou documentos para demonstrar que havia atingido todas elas no ano do desligamento. Por isso, requereu o pagamento da PLR proporcional de 11/12. 

O pedido foi negado pelo juízo de primeiro grau e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), que validaram a regra com base na negociação coletiva, e o trabalhador recorreu ao TST. 

O ministro Alberto Balazeiro, relator do recurso, afirmou que a Constituição Federal (artigo 7º, inciso XI) garante a participação nos lucros ou resultados, independentemente do tipo de desligamento. Segundo ele, a norma coletiva violou esse direito e também o princípio da isonomia, ao tratar de forma desigual quem contribuiu para os resultados da empresa. 

O relator também afastou o argumento baseado no Tema 1046 do STF, que admite a redução de direitos por negociação coletiva, desde que não se atinja o patamar civilizatório mínimo. Para ele, a PLR é direito absolutamente indisponível e não pode ser suprimida por norma coletiva. 

A decisão foi unânime. 

Processo: RR-1000601-02.2023.5.02.0034 

Fonte: TST 

Fique Atento!

As decisões desta semana reforçam a necessidade de atenção contínua às normas de segurança, à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho e à validade das provas utilizadas nos processos trabalhistas. A responsabilização de empresas por exposição a riscos, a rejeição de cláusulas que restringem direitos legalmente assegurados e o uso de medidas atípicas na execução de dívidas evidenciam o compromisso da Justiça do Trabalho com a efetividade dos direitos sociais. Nesse cenário, a atuação preventiva da assessoria jurídica é essencial para promover a conformidade legal, reduzir passivos e fortalecer práticas alinhadas aos princípios constitucionais que regem as relações de trabalho.

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