Assédio no Trabalho, Atestado Falso e Intervalo Fracionado | Edição #21

Nesta semana, destacamos decisões expressivas da Justiça do Trabalho que tratam de temas como o enfrentamento ao assédio sexual no ambiente corporativo, os limites da boa-fé nas relações laborais e a validade de negociações coletivas. Entre os julgados, estão o aumento de indenização com base no Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ, a responsabilização de empresa que se omitiu diante de condutas violentas de um gestor, e a confirmação de justa causa por fraude na obtenção de atestado médico. Também abordamos a legalidade do fracionamento do intervalo intrajornada e a condenação de instituição de ensino por dispensar professora no início do ano letivo, impossibilitando sua recolocação imediata. As decisões reforçam a necessidade de práticas empresariais responsáveis e alinhadas com os princípios de dignidade, equidade e boa-fé. Confira os destaques abaixo!

Decisão aplica protocolo de gênero e eleva indenização em caso de assédio sexual

A 14ª Turma do TRT da 2ª Região (TRT-2) reformou sentença e majorou indenização por danos morais de R$ 8 mill para R$ 30 mil em caso de assédio sexual no trabalho. A decisão, que julgou irrisório o valor inicial, aplicou diretrizes do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para justificar o aumento da reparação, seguindo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 

Os autos detalham diversas condutas abusivas do assediador, sócio da empresa reclamada, que incluíam mensagens insistentes e invasivas, ligações noturnas, pressão psicológica, chantagens emocionais, ameaças veladas e atitudes de ciúmes e possessividade quando a reclamante se envolveu com outro empregado. Essas ações, praticadas com o objetivo de forçar um relacionamento amoroso com a trabalhadora, teriam resultado em profundo sofrimento psicológico para a vítima. 

O acórdão cita o impacto de fenômenos sociais nesse tipo de atitude, como a cultura red pill, que coloca homens como “vítimas” de um suposto domínio feminino, além de desvalorizar a autonomia das mulheres e naturalizar a violência como forma de controle. Menciona ainda a série britânica Adolescência, na qual esses conceitos distorcidos, combinados a inseguranças típicas da pouca idade, fazem com que meninos enxerguem interações afetivas como jogo de dominação. “O resultado é a escalada de comportamentos abusivos. Combater essa lógica exige não apenas punição legal, mas também desconstrução ativa desses discursos”, afirmou o desembargador-relator Marcelo Freire Gonçalves. 

O magistrado entendeu ser poder-dever do Judiciário, com base no protocolo do CNJ, combater o assédio sexual no ambiente de trabalho e evitar a repetição dessas condutas pelos homens. “No caso em tela, o assediador ainda é sócio da empresa reclamada. Uma punição adequada o fará pensar duas vezes antes de reproduzir os mesmos atos e terá função pedagógica”. 

O processo transitou em julgado. 

Fonte: TRT2 

Empresa que se omitiu diante de assédio no ambiente de trabalho deve indenizar empregada 

A 17ª Turma do TRT da 2ª Região manteve indenização por danos morais a empregada vítima de violência física e assédio moral e sexual no ambiente de trabalho. A reparação, fixada em R$ 30 mil, decorreu da ausência de providências da empresa em relação ao agressor. 

De acordo com os autos, em uma ocasião, o superior hierárquico da mulher se aproximou quando ninguém estava por perto e a assediou sexualmente. Ao ser ignorado, desferiu um tapa no rosto da reclamante, além de puxar-lhe o cabelo, o que foi comprovado por meio de vídeo feito pelos registros das câmeras de segurança do estabelecimento. Mesmo assim, a reclamada não tomou atitudes contra o ofensor. 

A companhia, em defesa, alegou que os envolvidos “eram amigos” e que a situação decorreu de uma “brincadeira”. Sustentou ainda que aplicou advertência ao chefe e o afastou do local de trabalho. 

Entretanto, depoimentos colhidos no processo e a própria conduta da empresa demonstraram o contrário: o homem continuou frequentando o local, agredindo psicologicamente a profissional, com provas registradas em áudio. Por fim, foi alocado como gestor no mesmo posto onde trabalhava a vítima, que acabou sendo transferida, em um episódio entendido pelo juiz-relator Maurício Marchetti como uma forma de revitimização. 

Segundo o magistrado, “a inércia do empregador em face da prática de violência por seus empregados ou terceiros a seu serviço configura ato ilícito, ensejando sua responsabilidade pelas consequências negativas sofridas pela empregada assediada”. O julgador destacou que, além da agressão física, a trabalhadora foi submetida a um ambiente hostil, reforçado por práticas que contribuíram para o sofrimento psicológico. 

Fonte: TRT2 

Justiça mantém justa causa de ex-empregada de hospital que mentiu em consulta para conseguir atestado e se ausentar do trabalho 

A Justiça do Trabalho manteve a dispensa por justa causa aplicada à trabalhadora de uma rede hospitalar, com unidade em Betim, na Região Metropolitana de BH, que mentiu em uma consulta médica para conseguir um atestado e se ausentar do serviço. A decisão é dos julgadores da Sétima Turma do TRT-MG, que mantiveram, sem divergência, a sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Betim, nesse aspecto. 

A empregadora justificou a dispensa da profissional afirmando que, no dia 4/6/2024, ela fez uma consulta on-line pelo sistema “Maria Saúde”, alegando um problema nos olhos. “A médica pediu então à paciente uma foto para avaliação e a trabalhadora enviou uma imagem de um olho aparentemente com os sintomas de conjuntivite relatados. A médica acreditando, então, que se tratava de uma foto da própria autora, concedeu um atestado médico”, disse o empregador. 

Porém, passados alguns dias, os responsáveis pelo sistema “Maria Saúde” suspeitaram de que a foto enviada não era da autora. Eles solicitaram então uma sindicância interna para apurar os fatos, “identificando indícios de possível inconsistência, uma vez que a foto encaminhada pela paciente apresentava alta similaridade com imagens publicamente acessíveis em fontes na internet”

Já a trabalhadora negou ter praticado conduta grave capaz de gerar a dispensa motivada. Alegou que em momento algum afirmou que a imagem enviada na consulta virtual se tratava de seu próprio olho. Contou que informou à médica que seu olho estava semelhante àquela imagem enviada, “deixando evidente se tratar de situação similar”

Para a trabalhadora, houve desproporcionalidade na aplicação da penalidade, ausência de imediaticidade e ausência de dolo na conduta. Por isso, destacou no recurso o pedido de reversão da justa causa e a condenação da empregadora ao pagamento de danos morais e materiais. 

Mas, para o juiz convocado Marcelo Oliveira da Silva, relator no processo, a prova testemunhal confirma a evidente intenção fraudulenta da autora da ação. Segundo o julgador, testemunhas contaram que a profissional havia informado, antecipadamente, a necessidade de faltar ao serviço para a realização de atividades particulares. Informaram que a obtenção do atestado médico era para cobrir as horas de trabalho daquele dia. 

“Ela já tinha comunicado que iria se ausentar (…) para realizações de coisas pessoais, ia levar o cachorro ao veterinário, (…) como estava com algumas horas negativas, pegaria atestado para não ter que pagar mais horas; (…) alegou que era conjuntivite e a não apresentou resquício algum de conjuntivite. Questionei (…) ela disse para relaxar, porque realmente ela não estava com conjuntivite e inventou essa condição”, informou a testemunha. 

Para o relator, é legítima a pena máxima aplicada pela prática de ato de improbidade, caracterizado como ação ou omissão desleal do empregado, revelando desonestidade, abuso de confiança, fraude ou má-fé, com o objetivo de obter vantagem própria. Segundo ele, a atitude da ex-empregada prejudicou toda a confiança essencial à manutenção do vínculo de emprego. 

“Em casos como este, não há falar em adoção de medidas pedagógicas anteriores, nem mesmo é relevante a postura da reclamante no período anterior à falta”, ressaltou o juiz convocado. Segundo ele, não socorre à autora a alegada ausência de imediatidade, visto que, entre a apresentação do atestado médico e a dispensa, decorreram menos de 30 dias. 

O julgador manteve a sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Betim, que reconheceu como válida a justa causa aplicada. Conforme decisão do colegiado, a autora da ação não tem direito ao “pagamento das diferenças de verbas rescisórias e indenizações por danos morais e materiais”. 

Fonte: TRT3 

Cláusula coletiva que divide intervalo intrajornada em dois períodos é válida 

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho reconheceu a validade de uma cláusula de acordo coletivo que dividia o intervalo intrajornada em dois períodos: um de 45 minutos e outro de 15. Para o colegiado, é possível negociar essa pausa, desde que o tempo mínimo legal previsto na CLT, de 30 minutos, seja respeitado. 

O empregado, operador da fábrica da Johnson em São José dos Campos, relatou na ação que trabalhava cinco dias e folgava dois. Suas jornadas eram variáveis (das 6h às 14h, das 14h às 22h ou das 22h às 6h), e ele sempre tinha 45 minutos para refeições e descanso e outros 15 minutos para café. 

Ao pedir o pagamento das horas extras, ele argumentou que o fato de nunca ter tido uma hora inteira para repouso e alimentação violava a CLT e a jurisprudência do TST e do Supremo Tribunal Federal (STF). O STF, segundo a tese do trabalhador, limita a negociação coletiva quando há ofensa a direitos relacionados à saúde, segurança e higiene. 

Na primeira instância, o pedido foi acolhido, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (SP) reformou a sentença. Ao julgar o recurso de revista, o TST manteve a validade do acordo coletivo e rejeitou a tese de que apenas pausas contínuas de uma hora atenderiam à norma legal. 

O relator, ministro Alberto Balazeiro, explicou que o STF considera válidos acordos e convenções coletivas que afastem ou limitem direitos trabalhistas, desde que não atinjam direitos absolutamente indisponíveis (Tema 1.046). A CLT, por sua vez, permite o fracionamento ou a redução do intervalo, desde que seja assegurado o mínimo de 30 minutos. 

No caso da Johnson, embora um dos blocos tivesse menos de 30 minutos, o tempo total diário de descanso foi preservado em uma hora, o que afasta a hipótese de violação do patamar mínimo civilizatório. 

Com base na jurisprudência do STF e nas disposições da CLT, a Terceira Turma concluiu que a cláusula coletiva respeitou os limites legais e constitucionais e não afrontou o direito do empregado à saúde e ao repouso. 

Processo: RR-10955-14.2020.5.15.0013 

Fonte: TST 

Professora dispensada em fevereiro receberá indenização por perder chance de emprego 

Uma ex-professora do Serviço Social da Indústria (Sesi) deverá receber indenização de R$ 12 mil porque foi dispensada no início do ano letivo. A condenação foi estabelecida pela Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que destacou diversas decisões do TST no mesmo sentido. 

Admitida no Colégio Sesi de Curitiba (PR) em 2011 para lecionar português no ensino médio, a professora foi dispensada em fevereiro de 2016. Na ação, ela alegou ter sofrido danos materiais e morais ao ser dispensada num período em que as instituições de ensino já estão com sua grade horária e seu corpo docente definidos, não lhe dando tempo hábil para procurar novo emprego. 

A 2ª Vara do Trabalho de Curitiba julgou improcedente o pedido, ressaltando que a dispensa sem justa causa não é punição, mas exercício do direito do empregador de pôr fim ao contrato de trabalho. O Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) manteve a sentença. Conforme o TRT, não havia provas de que a dispensa tenha causado dano moral à professora, tanto que ela havia sido contratada pelo Sesi no início do ano letivo. 

No recurso ao TST, a professora reiterou seus argumentos e disse que as cópias da carteira de trabalho comprovam que ela só foi conseguir nova colocação em março do ano seguinte, numa escola de línguas. 

O relator, ministro Cláudio Brandão, ressaltou que o empregador tem o dever de agir com lealdade, lisura, respeito e consideração com o empregado. Assim, alimentar uma expectativa de direito ao contrato de trabalho causa prejuízos não apenas financeiros, mas também psíquicos, e gera o dever de reparação baseado na perda de uma chance – sobretudo pela dificuldade de obter nova vaga no início do ano letivo. A inobservância desses deveres, segundo Brandão, viola a cláusula geral de boa-fé objetiva do Código Civil, que estabelece o dever geral a todos de se comportarem segundo padrões de probidade e de lealdade. 

Processo: RRAg-912-24.2017.5.09.0002  

Fonte: TST 

Fique Atento!

As decisões desta semana ressaltam a importância do combate efetivo ao assédio sexual e moral no ambiente de trabalho, bem como o dever do empregador de agir com responsabilidade diante de condutas abusivas. O reconhecimento judicial da justa causa por fraude, a validade de cláusulas coletivas que respeitem os limites legais e a indenização por perda de chance evidenciam a valorização da boa-fé, da dignidade do trabalhador e da autonomia coletiva. Em um cenário cada vez mais atento à proteção de direitos fundamentais, a atuação preventiva da assessoria jurídica é essencial para mitigar riscos, orientar condutas e promover ambientes de trabalho seguros, éticos e juridicamente alinhados.

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