Assédio Moral, Gestação na Falência e Imagem sem Autorização | Edição #19

Nesta edição, a Justiça do Trabalho volta a destacar a centralidade da dignidade do trabalhador nas relações laborais. Entre os julgados, temos a anulação de pedido de demissão de uma profissional em sofrimento psíquico, a indenização de trabalhadora gestante mesmo após a falência da empresa e a responsabilização de empregador por uso indevido da imagem de ex-funcionário. Também são destaques a condenação de empresa que obrigava motorista a dormir no baú do caminhão e o aumento da indenização a padeiro dispensado por embriaguez, diagnosticado com alcoolismo. As decisões reforçam o dever das empresas de assegurar ambientes saudáveis e respeitar os direitos fundamentais da pessoa trabalhadora. Confira os principais entendimentos dos Tribunais nesta semana.

Fonte: Freepik

Justiça anula pedido de demissão de trabalhadora que tratava depressão e ansiedade 

Sentença oriunda da 3ª Vara do Trabalho de Santo André-SP declarou nulo pedido de demissão de gastrônoma por vício de consentimento, tendo em vista o estado de saúde mental fragilizado por assédio moral e doença ocupacional da profissional. A decisão condenou as reclamadas ao pagamento de indenização de R$ 40 mil por danos morais e verbas rescisórias. 

A empregada alegou que, ao assinar o documento que formalizou o término do contrato, estava sob fortes medicamentos para tratar depressão e ansiedade, agravadas por um ambiente de trabalho considerado “tóxico” e com assédio moral. Relatou, ainda, descaso da empresa em sua recolocação após afastamento por doença, incluindo a retirada de notebook corporativo e a manutenção de um espaço hostil. 

Testemunhas corroboraram esses relatos, afirmando terem visto a colega chorando após conversas com gerentes. Laudo pericial confirmou o nexo concausal entre a doença e as condições de trabalho. 

Segundo o juiz prolator da sentença, Diego Petacci, a análise dos fatos e das provas demonstra que “a reclamada, em vez de propiciar ambiente salutar de retorno para a reclamante, apressou-se em torná-la inútil no ambiente de trabalho e causar-lhe tamanho sentimento de impotência que ela se viu na necessidade de se demitir”. 

A decisão determinou ainda pagamento de indenização substitutiva à garantia de emprego, além do reembolso de despesas médicas relativas à doença ocupacional. 

Cabe recurso. 

Processo nº 1001976-68.2024.5.02.0433 

Fonte: TRT 2 

Fonte: Freepik

Trabalhadora que deu à luz durante contrato deve ser indenizada mesmo em falência da empresa 

Sentença proferida na 2ª Vara do Trabalho de Itapecerica da Serra-SP condenou empresa do ramo alimentício a indenizar trabalhadora que deu à luz na vigência do contrato laboral, dias depois da decretação de falência da companhia. O juízo reforçou o entendimento de que o(a) empregado(a) não responde pelos riscos da atividade empresarial e, na impossibilidade de manter o negócio, o(a) empregador(a) deve arcar com os custos da indenização respectiva. 

A reclamante iniciou o trabalho na reclamada como balconista de frios em junho de 2023 e engravidou no ano seguinte. Em 13 de dezembro de 2024, foi afastada, tendo o parto ocorrido em 29 de janeiro de 2025. Assim, a licença-maternidade de cinco meses iria até o dia 29 de junho. Segundo a mulher, a companhia parou de depositar o salário em dezembro e, no processo, ela pleiteou o pagamento dos valores mensais de dezembro até junho. 

Em defesa, o empregador alegou a existência de força maior, que teria levado à falência da empresa, decretada em 20 de janeiro de 2025. Requereu a aplicação do disposto no inciso II do artigo 502 da Consolidação das Leis do Trabalho, que determina o pagamento da metade do valor da indenização devida em caso de rescisão sem justa causa. 

Na decisão, a juíza Thereza Christina Nahas mencionou a inexistência de dispositivo específico sobre a matéria e pontuou que o caso deve ser analisado considerando o fato de a quebra empresarial ser ou não motivo justificado para que o(a) trabalhador(a) responda pelos riscos empresariais. Citou temas fixados pelo Supremo Tribunal Federal que restringem a interpretação constitucional que autoriza a dispensa imotivada de forma livre, limitando-a para garantir um “bem maior”, no caso, a gestação. 

Ao julgar, a magistrada rejeitou o argumento da ré de ocorrência de força maior, pontuando que o instituto só se aplica em casos não previstos e que “o fato de uma empresa quebrar não pode ser imprevisível, especialmente porque o administrador deve ter a previsão da situação orçamentária daquilo que administra”. Ressaltou também que a função de balconista exercida pela empregada não contribuiu para a má gestão do negócio. 

Assim, determinou o pagamento da indenização pelo período estabilitário e das verbas inerentes à rescisão contratual injustificada. 

Processo nº 1000247-82.2025.5.02.0332 

Fonte: TRT2 

Fonte: Freepik

Empresa é condenada por manter imagem de trabalhador em propagandas comerciais após dispensa 

A Justiça do Trabalho determinou o pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 10 mil, ao trabalhador que teve a imagem veiculada, após a dispensa, em propagandas de vendas e vídeos explicativos sobre o funcionamento dos produtos comercializados. A decisão é dos julgadores da Décima Primeira Turma do TRT-MG, que mantiveram a sentença proferida pelo juízo da 2ª Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo. 

Na defesa, a empregadora, que é fabricante de artefatos de madeira em Belo Horizonte, não negou que incluiu imagens do reclamante no sítio eletrônico. Alegou que as postagens foram autorizadas, sem que houvesse limite de tempo, prazo, exposição ou meios de publicação. 

Porém, ao proferir voto condutor no recurso, a desembargadora relatora Juliana Vignoli Cordeiro entendeu que foi devidamente configurado o dano moral sofrido pelo autor. Segundo a julgadora, o direito à própria imagem é personalíssimo e encontra especial proteção no artigo 5º da Constituição Federal. No âmbito infraconstitucional, a proteção está nos artigos 11º e 20º do Código Civil e no artigo 2º da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018). 

Pelo artigo 20º, do Código Civil, a utilização da imagem de uma pessoa para fins comerciais, sem prejuízo da indenização cabível, pode ser proibida a requerimento dela, se não houver autorização. Já o artigo 11º da mesma norma diz que: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”

No caso, a empresa apresentou a autorização de uso de imagem, assinada pelo trabalhador, em que são amplamente cedidos os direitos de uso não somente da imagem, mas também da voz e escritos. Tudo em caráter gratuito, em todo território nacional e no exterior, por quaisquer formas e meios. 

Segundo a julgadora, não houve alegação de vício de consentimento pelo autor e muito menos prova nesse sentido. “Ele reconhece a validade da autorização, mas limitada à duração do contrato de trabalho”

Para a magistrada, o ponto crucial da discussão é se a autorização permanece ou não após o encerramento do contrato de trabalho, por não ter sido fixado o período da vigência. Segundo ela, a resposta que atende à efetiva proteção de um direito personalíssimo, como o discutido no processo, é negativa. 

“A norma contida no artigo 11º do Código Civil é insofismável no sentido de que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis por seu titular, o que afasta a possibilidade de a empregadora usar a imagem do ex-empregado por tempo indeterminado, mormente em se considerando que a cessão, durante o pacto laboral, ocorreu a título gratuito”, pontuou a julgadora. 

No entendimento da relatora, a análise não pode ser dissociada do fato de que a cessão de direitos de uso de imagem do reclamante ocorreu sob o poder diretivo da empresa, em uma relação na qual o empregado é a parte mais frágil. Como ele tem menor poder econômico, não possui igualdade de condições para negociar as cláusulas contratuais. 

“Por conseguinte, a disponibilização e a mitigação de um direito desse tipo devem ser interpretadas de modo restritivo, com a limitação do exercício pela empregadora tão somente durante a vigência do contrato de trabalho”, ressaltou. 

Segundo a relatora, a tese encontra respaldo doutrinário no Enunciado 4º da I Jornada de Direito Civil, que afirma que: “O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”

Na decisão, a julgadora destacou ainda uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que sinaliza a impossibilidade até mesmo de limitação voluntária dos direitos da personalidade. 

“A decisão do Tribunal da Cidadania é clara sobre a impossibilidade de disponibilização permanente do uso de imagem. Desse modo, não há como estender os efeitos da autorização do uso de imagem, em que não foi fixado o prazo de sua vigência, para além da duração do contrato de trabalho”, concluiu a julgadora, mantendo a condenação imposta à empresa. 

Processo 0010777-88.2023.5.03.0144 

Fonte: TRT3 

Fonte: Freepik

Empresa de alimentos terá que indenizar motorista que dormia no baú do caminhão 

A Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (ES) condenou uma empresa do ramo alimentício ao pagamento de indenização por danos morais a um motorista que era obrigado a dormir no baú do caminhão, em condições inadequadas de descanso. A decisão foi confirmada pela Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho.   

O trabalhador alegou que cumpria jornada extenuante. Ao final do dia, era obrigado a dormir dentro do baú do caminhão, ao lado das mercadorias e sem qualquer estrutura adequada — como colchão ou ventilação. Relatou que, apesar de exercer atividade externa, sua jornada era controlada. O controle ocorria por meio de rastreamento via GPS, ligações da empresa e monitoramento das rotas de entrega. Com base nesses fatos, pediu o pagamento de horas extras, dos adicionais legais e indenização por danos morais. 

A reclamada defendeu-se alegando que o trabalhador exercia função externa, sem possibilidade de controle de jornada, o que o enquadraria na exceção prevista no artigo 62, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Também sustentou que havia previsão expressa em norma coletiva indicando a natureza externa da função exercida. 

A 2ª Turma do TRT-17 reconheceu o controle indireto da jornada, uma vez que a empresa admitiu o uso de GPS para rastrear os veículos, o que, segundo o colegiado, permite acompanhar deslocamentos e, por consequência, os horários trabalhados. 

O relator do acórdão, desembargador Cláudio Armando Couce de Menezes, destacou que a simples condição de trabalho externo não é suficiente para excluir o direito a horas extras, sendo necessária prova concreta da impossibilidade de controle — o que não ocorreu no caso. 

Segundo ele, “o fato de o caminhão ser monitorado por GPS indica que a empresa tinha meios de verificar o cumprimento da jornada”. Por isso, concluiu que a jornada era passível de controle e determinou o pagamento de horas extras, intervalos e adicionais, conforme apurado na prova oral. 

Em relação ao dano moral, a Turma entendeu que a forma como o descanso era feito violava diretamente o direito à saúde e à dignidade. O relator afirmou que “impor ao empregado motorista de caminhão o ônus da atividade econômica, não custeando hospedagem digna durante o período de viagens, viola a dignidade do trabalhador”.  

Para 1ª Turma do TST, houve lesão a direitos de personalidade. O ministro Amaury Rodrigues, relator do recurso, explicou que as premissas delineadas pelo TRT, principalmente o fato de que o trabalhador pernoitava no baú do caminhão em cima das mercadorias, são suficientes para demonstrar a efetiva lesão aos direitos da personalidade, dando causa à indenização. 

Processo: 0001184-25.2019.5.17.0002  

Fonte: TRT17 

Fonte: Freepik

Padeiro consegue elevar indenização por ter sido dispensado por embriaguez 

A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho elevou para R$ 10 mil o valor da indenização a ser paga pela Companhia Brasileira de Distribuição (Grupo Pão de Açúcar) a um padeiro acusado de trabalhar embriagado e dispensado por justa causa. Para o colegiado, o valor de R$ 5 mil arbitrado anteriormente foi inadequado para reparar o dano, diante rigor excessivo da empresa, que dispensou o trabalhador diagnosticado com alcoolismo. 

Contratado em outubro de 2013, o padeiro foi dispensado em  agosto de 2020 por suposta “embriaguez” e requereu a reintegração e indenização por danos morais. Segundo seu advogado, a dispensa por justa causa teve como motivação a discriminação, por ser um homem negro, e a extrema simplicidade pessoal do trabalhador, aliadas à sua condição depressiva e do quadro de alcoolismo. 

Segundo seu relato, as doenças pioraram com o aumento das cobranças rigorosas por cumprimento de metas de produção de alimentos na padaria do supermercado, em razão da pandemia da covid-19. Sua condição de saúde estaria comprovada pelos remédios de tarja preta que ele usava, além do acompanhamento no Alcoólicos Anônimos. 

Em sua defesa, o Pão de Açúcar disse que desconhecia que o padeiro tinha problemas com alcoolismo e que o motivo da dispensa foi ele ter ido trabalhar embriagado, conforme demonstrado por vídeos. Essa conduta, segundo a empresa, coloca o trabalhador em risco e não pode ser tolerada. 

Ao contestar as provas apresentadas pela empresa, a defesa do padeiro disse que os vídeos mostram que ele apresentava nítida dificuldade de se locomover, com tontura e mal estar causados pela medicação que tomava. “Tontura, cefaléia, sonolência, desmaios, vertigem e mal estar, fazem parte do rol de efeitos colaterais e podem confundir-se facilmente com a embriaguez, o que não era o caso”, argumentou. 

Na audiência, seu representante disse que o episódio de embriaguez teria sido a primeira ocorrência dessa natureza no ambiente de trabalho. 

O juízo de primeiro grau classificou como excessiva a punição aplicada e converteu a justa causa em dispensa imotivada, deferindo as verbas rescisórias devidas. Além disso, considerando que a empregadora admitiu ter dispensado o padeiro por embriaguez, concluiu que a dispensa foi discriminatória e fixou a indenização em R$ 10 mil. 

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve a sentença quanto à dispensa discriminatória, mas, avaliando as circunstâncias dos autos, reduziu o valor da reparação para R$ 5 mil. 

Para o relator do recurso de revista do padeiro, ministro Cláudio Brandão, o dano a ser reparado envolvia não apenas a reversão da dispensa discriminatória, mas também a doença do trabalhador, “que tem compulsão pelo consumo de álcool, e este lhe provoca sofrimento e perda de controle”. 

Ao chegar à conclusão de que o valor de R$ 5 mil foi irrisório e propor sua majoração, o relator usou como referência inicial indenizações arbitradas em casos semelhantes e, em seguida, levou em conta circunstâncias do caso concreto. 

Processo:1001092-50.2020.5.02.0022 

Fonte: TST 

Fique Atento!

As decisões desta semana evidenciam a relevância da atenção contínua à saúde mental dos trabalhadores, à proteção da maternidade e aos limites do poder diretivo nas relações de trabalho. A responsabilização de empresas por assédio moral, uso indevido de imagem e condições degradantes de descanso reforça a importância de ambientes laborais seguros e respeitosos. Além disso, os julgados demonstram que falência empresarial ou autorizações genéricas não eximem o empregador de suas obrigações legais. Nesse contexto, a atuação preventiva da assessoria jurídica é indispensável para garantir conformidade normativa, mitigar riscos e preservar os direitos fundamentais nas relações de trabalho.

Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *